quarta-feira, 24 de setembro de 2014

O encontro entre Miles e Jimi


Miles Davis adorava Jimi Hendrix. Dividiu uma namorada com ele num triângulo amoroso cheio de ciumeiras e barracos típicos deste tipo de situação. O nome da diva era Betty Marble e pode ser vista na capa de Filles on Kilimanjaro, lançado em 1969 pelo trompetista. Inventor de mais da metade da sonoridade do século e grande vetor de novidades, Miles também tomou o famoso pancadão quando ouviu a música de Jimi pela primeira, vez apresentado por Betty (que agora havia acoplado o Davis ao sobrenome e atendia por Betty Davis).

Jimi também adorava a música dele, principalmente Kind of Blue (1959), que era um de seus discos preferidos. Trocaram umas figurinhas em alguns ensaios e reza a lenda que estavam se preparando para gravar juntos um pouco antes de Jimi morrer. 

A opinião de Miles Davis sobre a música de Hendrix era um tanto quanto original: "Jimi era ligado à música country, tocada pelos montanheses brancos. Por isso tinha aqueles caras ingleses no conjunto, porque muitos brancos gostavam de música caipira americana. O melhor som dele para mim foi quando teve Buddy Miles na bateria e Billy Cox no baixo. Jimi tocava aquela coisa indiana, ou aquelas musiquinhas engraçadas, que duplicava na guitarra. Eu adorava quando ele fazia as coisas daquele jeito. Costumava tocar um 6/8 o tempo todo quando estavam os tais brancos ingleses, e era isso que, pra mim, o fazia parecer caipira. Só esse conceito, que aplicava nessa coisa. Quando começou a tocar com Buddy e Billy na Band of Gypsys creio que botou tudo que estava fazendo pra fora. Mas as empresas de discos e os brancos o preferiam com os caras brancos no conjunto. Mas Jimi vinha do blues, como eu. Nos entendemos imediatamente por causa disso. Ele era um grande guitarrista de blues, ele e Sly Stone eram grandes músicos naturais: tocavam de ouvido".

E sobre o mítico disco conjunto: "Ele e eu devíamos nos encontrar em Londres depois do Concerto na Ilha de Wight para discutir um disco que finalmente decidimos fazer juntos. Quase fizemos um certa vez, com o produtor Alan Douglas, mas ou não pagavam bastante ou estávamos ocupados demais para fazê-lo juntos. Tínhamos tocado muito juntos na minha casa, apenas fazendo jams, e achávamos que talvez tivesse chegado a hora de fazermos alguma coisa juntos num álbum. Mas as estradas estavam tão engarrafadas na volta a Londres, após este concerto, que não consegui chegar a tempo, e quando cheguei a Londres Jimi não estava mais lá. Eu ia para a França, acho, fazer mais algumas apresentações e depois voltaria à Nova York. Gil Evans me ligou e disse que ia se encontrar com Jimi e queria que eu participasse do encontro. Respondi que iria. Esperávamos a chegada de Jimi quando soubemos que ele tinha morrido em Londres".

Só de imaginar o que daria este encontro chego a ter arrepios. As gravações de Miles Davis com Gil Evans são para mim o auge da perfeição; com Jimi Hendrix seria uma covardia total. O que iriam tocar? Vai ver pelo fato de nunca ter acontecido fica este espectro de absoluto.

Gil Evans tempos depois gravou um disco muito doido com orquestra recriando alguns clássicos como "Voodoo Chile" (com um inacreditável solo de tuba) e "Little Wing", que ficou belíssima num clima meio free, mas bastante interessante. Tenho em CD. 

Outra releitura muito interessante são as versões do Lonnie Smith Trio, onde o rei do Hammond manda ver em versões alucinantes acompanhado do soberbo John Abercrombie na guitarra, que não imita um só solo, mas mantém o clima hendrixiano sem deixar a peteca cair. São releituras onde o espírito da coisa permanece sem imitação, afinal recriação não é cover.

Embora estudiosos costumem apontar elementos do jazz-rock desde meados da década de 1960, principalmente nos trabalhos de Larry Coryell, o primeiro álbum considerado do gênero foi Bitches Brew de Miles Davis, editado em 1970. Na época Miles andava ensaiando uma aproximação com o rock, tendo sido o único jazzista a participar do Festival da Ilha de Wight, além de haver tentado marcar a sessão de gravação com Jimi Hendrix citada acima.

Embora muitas pessoas pensem que a última apresentação de Hendrix com sua banda própria tenha sido na Ilha de Wight, depois dessa houveram mais seis apresentações, culminando com a derradeira ocorrida nesta data em 1970. Ainda que tenha sido registrado profissionalmente em vídeo, este filme nunca apareceu, pois foi roubado em 1971. Apenas um pequeno trecho com menos de três minutos circula atualmente, e foi usado pela estação de TV que o filmou no anúncio de sua morte.  

Gravações de áudio existem três, apenas duas completas, uma feita por um fã que amarrou um microfone junto às caixas de som (devido ao barulho do vento batendo no mesmo esta gravação é conhecida como windy tape) e a outra registrada por um roadie, a pedido de Billy Cox, ao lado do palco (esta denominada stage tape). Hendrix ainda faria mais uma aparição pública, numa jam junto a Eric Burdon e o War no Ronnie Scott's Club em Londres, um dia antes de sua morte. 


Muitas pessoas pensam que Jimi Hendrix morreu por overdose de drogas, mas na realidade o que aconteceu é que horas antes Hendrix tomara alguns remédios para dormir e, ao passar mal e ser levado para o hospital, os enfermeiros o deitaram na maca de barriga para cima, só que Jimi acabou vomitando e morrendo sufocado pelo próprio vômito.

Miles Davis e Jimi Hendrix tinham um encontro marcado para o final do mês de setembro de 1970 no Carnegie Hall, onde ensaiariam para um eventual álbum ao vivo a ser editado futuramente. Com a morte de Jimi obviamente o projeto não saiu do papel. Miles esteve presente nos funerais de Hendrix, onde tentou em vão tocar seu trumpete, mas foi impedido por Leon, irmão do guitarrista.

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